Desembargador acolhe tese da defesa e reconhece que réu condenado em primeira instância também foi lesado no esquema fraudulento investigado; decisão destaca argumentos apresentados pelo advogado
Em decisão recente, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás revisou uma condenação relacionada a um caso de fraude na venda de imóveis, envolvendo responsabilidade civil solidária. A Corte reconheceu, em parte, os argumentos apresentados em apelação pelo advogado Marco Túlio Elias Alves, que defendeu a exclusão da condenação por danos morais imposta a seu cliente, F.S.R., apontando que ele próprio também teria sido lesado no esquema.
A sentença de primeiro grau havia condenado FSR, solidariamente com os demais réus, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, apesar de reconhecer expressamente que ele não participou das negociações que resultaram nos prejuízos das vítimas. A contradição foi o cerne da apelação apresentada pelo advogado, que sustentou, com base em farto acervo documental, que seu cliente sofreu um prejuízo superior a R$ 10 mil por conta das ações da corretora FRFS, considerada peça-chave do esquema fraudulento.
“Não se pode admitir a condenação de alguém que também foi lesado, como se fosse coautor da fraude. FSR foi mais um dos enganados, e isso estava claramente demonstrado nos autos”, afirmou o advogado Marco Túlio Elias Alves, em entrevista à reportagem.
O desembargador Maurício Porfírio Rosa, relator do caso, acolheu as alegações da apelação de forma expressa, destacando que o apelante “impugna tão somente sua condenação à reparação por dano moral” e reconhecendo que ele “à semelhança dos autores, foi vítima do esquema fraudulento”. No voto, o magistrado citou ainda a ação autônoma ajuizada por FSR contra a corretora, como elemento de comprovação de sua condição de vítima, reforçando a linha de defesa construída pelo advogado.
Outro ponto levantado pelo advogado foi o cerceamento de defesa no julgamento de primeira instância, já que o juiz teria ignorado o pedido de produção de provas orais, bem como os documentos apresentados no evento 527 do processo. Esses documentos comprovavam que os valores recebidos por Fabrício eram, na realidade, fruto de uma restituição parcial de valores que ele próprio havia depositado em contas indicadas pela ré FRFS.
Ao final, a apelação foi provida parcialmente, excluindo a condenação por danos morais, permanecendo apenas a obrigação de devolução do valor de R$ 7.000,00, que foi recebido por FSR de forma não relacionada aos autores da ação. Para o advogado, a decisão “restabelece a justiça, reconhecendo que não se pode igualar o enganado ao enganador”.
O caso, que tramitou sob o número 5302225-88.2016.8.09.0051, envolveu ainda outros réus e dezenas de vítimas, e serve como alerta sobre os cuidados na aquisição de imóveis por meio de intermediações informais. A decisão abre precedente relevante quanto à análise individualizada de condutas em esquemas de fraude coletiva.
Responsabilidade civil e boa-fé: quando a justiça acerta ao separar vítima de réu

O julgamento da apelação envolvendo FSR reacende o debate sobre a importância da individualização da conduta em processos de responsabilidade civil. Em tempos nos quais a complexidade das fraudes imobiliárias desafia o Judiciário, a decisão da 5ª Câmara Cível do TJ-GO mostra que é possível diferenciar, com precisão, os reais autores de um dano daqueles que, embora tecnicamente réus, também foram prejudicados.
No contexto da fraude denunciada pelas vítimas, FSR apareceu inicialmente como mais um entre os supostos beneficiários do esquema. No entanto, a análise criteriosa dos documentos e depoimentos, sobretudo após a atuação da defesa técnica, revelou que ele havia depositado valores significativos em contas indicadas por FRFS e sequer teve participação ativa nas negociações com os autores da ação.
A citação direta, no acórdão, dos argumentos trazidos pela apelação elaborada pelo advogado Marco Túlio Elias Alves demonstra o papel central da advocacia bem fundamentada no convencimento dos tribunais. O relator destacou, por exemplo, que “o apelante foi igualmente vítima da corretora”, ecoando palavra por palavra as teses desenvolvidas na peça recursal.
Além disso, o processo evidenciou um problema recorrente: a atuação inicial por curador especial, com defesa genérica, muitas vezes compromete a plena realização do contraditório. Só com a entrada de um defensor constituído foi possível organizar uma estratégia probatória robusta — embora, como apontado pela apelação, parte do material tenha sido ignorado pelo juízo de origem.
Do ponto de vista jurídico, a decisão também reforça o princípio da reparação justa. Embora FSR tenha sido condenado a devolver o valor de R$ 7.000,00, o tribunal afastou a indenização moral, reconhecendo que não há dano moral causado por quem agiu sem dolo ou culpa.
Por fim, o caso deve servir como referência para futuros julgamentos: não basta analisar a transferência de valores para determinar responsabilidade civil. É preciso mergulhar nas circunstâncias, investigar a boa-fé e reconhecer quando o réu é, na verdade, vítima do mesmo golpe. O reconhecimento dessa complexidade é um passo importante na busca por justiça real — não apenas formal.