A Dificuldade de Cumprimento da Lei em Portugal: Uma Análise Jurídico-Constitucional
Por: Dr. Jhonata Jankowitsch, especialista em imigração.
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- Introdução
Portugal, enquanto Estado de Direito democrático (art. 2.º CRP), assume o compromisso de assegurar a supremacia da lei e a sua aplicação uniforme. Contudo, a realidade administrativa e judicial evidencia um desfasamento entre o plano normativo e a efetividade prática. Essa discrepância suscita a questão: por que razão Portugal tem dificuldades em cumprir as suas próprias leis?
- Excesso e instabilidade legislativa
O ordenamento jurídico português caracteriza-se por um excesso de produção normativa, frequentemente acompanhado de alterações sucessivas. Tal prática gera insegurança jurídica e fragilidade na aplicação:
• O art. 266.º, n.º 2, da CRP impõe à Administração Pública a observância da legalidade;
• Todavia, a constante mutação legislativa dificulta a interpretação uniforme.
Como refere Vital Moreira, “a inflação legislativa é inimiga da certeza e previsibilidade que o Estado de Direito deve garantir” (Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2020).
- Inércia administrativa e violação de prazos legais
O Código do Procedimento Administrativo (CPA) estabelece garantias de eficiência e tempestividade:
• O art. 86.º CPA determina a obrigação de decisão dentro dos prazos legais;
• O art. 109.º CPA prevê a tutela judicial contra a inércia administrativa.
Apesar disso, inúmeros serviços públicos, como conservatórias, tribunais administrativos e, mais recentemente, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), não cumprem os prazos, o que configura violação direta do princípio da boa administração (art. 5.º CPA).
Segundo Freitas do Amaral, “a omissão administrativa é uma das maiores violações da legalidade, porque nega ao cidadão o direito fundamental à decisão” (Direito Administrativo, 2017).
- Deficiência estrutural e falta de responsabilização
Outro obstáculo é a escassez de meios humanos e tecnológicos:
• Conservatórias e tribunais sofrem com atrasos por insuficiência de funcionários e sistemas obsoletos;
• Mesmo diante de incumprimentos, os agentes públicos raramente sofrem sanções, o que fragiliza a eficácia do art. 22.º CRP, que consagra a responsabilidade civil do Estado.
- Cultura de permissividade e lentidão judicial
O sistema judicial português encontra-se congestionado, tornando a tutela jurisdicional (art. 20.º CRP) ineficaz na prática. A demora processual incentiva a Administração a postergar decisões, na expectativa de que o cidadão desista ou aceite a morosidade como inevitável.
- Considerações finais
Portugal dispõe de um ordenamento jurídico moderno e alinhado aos princípios da União Europeia. No entanto, a dificuldade em cumprir as próprias leis decorre de:
• excesso normativo,
• inércia administrativa,
• déficit estrutural,
• ausência de responsabilização efetiva,
• lentidão judicial.
Assim, a crise não reside na produção legislativa, mas na inefetividade da aplicação da lei, que compromete a confiança dos cidadãos no Estado e fragiliza o núcleo do princípio do Estado de Direito (art. 2.º CRP).