setembro 28, 2025

Carta do Leitor – Advocacia e Saúde Mental: O peso invisível da profissão

Pesquisas nacionais e internacionais mostram que a advocacia, essencial para a justiça, está sendo exercida sob intensa pressão que ameaça a saúde mental de seus profissionais.

Por Francis Moreira da Silveira

A rotina da advocacia, marcada por prazos apertados, conflitos constantes e cobrança por resultados, produz um efeito devastador na vida de muitos profissionais. Um estudo da OAB-SP (2022) apontou que mais de 70% dos advogados no Brasil sofrem com sintomas de ansiedade e estresse diretamente relacionados ao trabalho. No cenário mundial, a International Bar Association (2021) revelou que 41% dos operadores do direito já enfrentaram problemas emocionais graves e que quase um terço deles pensou em abandonar a carreira. Esses números deixam claro: o exercício da advocacia, embora essencial para a sociedade, vem sendo feito às custas da saúde mental de quem a pratica.

A Síndrome de Burnout e sua classificação

A Síndrome de Burnout (CID-11, QD85) é um dos quadros mais prevalentes no meio jurídico. Classificada pela Organização Mundial da Saúde como um fenômeno ocupacional e uma doença relacionada ao trabalho, caracteriza-se por:

  • exaustão emocional e física persistente;
  • distanciamento mental do trabalho (cinismo, negatividade, despersonalização);
  • redução da eficácia profissional.

Essa diferenciação é importante, pois o burnout não é um transtorno mental isolado, mas um estado diretamente associado às condições laborais.

No Brasil, a CID-11 ainda não está em vigor. Embora adotada globalmente em 2022, sua implementação nacional foi adiada para 1º de janeiro de 2027, segundo o cronograma oficial do Ministério da Saúde. Isso significa que, atualmente, o burnout continua sendo codificado segundo a CID-10, sem o reconhecimento formal como doença ocupacional.

Fatores de risco na advocacia

Na advocacia, o burnout costuma ser potencializado por fatores como:

  • jornadas extensas;
  • pressão por resultados;
  • prazos exíguos;
  • contato diário com conflitos intensos;
  • insegurança financeira.

Além disso, a cultura de desempenho máximo, em que muitos advogados sentem-se compelidos a estar disponíveis em tempo integral, favorece sintomas de esgotamento, perda de identidade profissional e até manifestações dissociativas (despersonalização e desrealização).

Quando não identificados precocemente, esses sinais podem evoluir para quadros de depressão, ansiedade generalizada, transtornos do sono e uso abusivo de substâncias, comprometendo a vida pessoal e a carreira.

Caminhos para o enfrentamento

O enfrentamento desse problema demanda intervenções em múltiplos níveis:

Institucionais:

  • políticas de bem-estar em escritórios e órgãos jurídicos;
  • incentivo a pausas regulares;
  • campanhas de psicoeducação;
  • acesso a serviços psicológicos e psiquiátricos;
  • programas de prevenção organizacional (ex.: campanhas da OAB).

Individuais:

  • atividade física;
  • sono adequado;
  • espiritualidade;
  • práticas de mindfulness;
  • fortalecimento de redes sociais de apoio.

Tratamento e mudança cultural

Quando o adoecimento já está instalado, o tratamento deve seguir protocolos baseados em evidências, incluindo psicoterapia estruturada (como a Terapia Cognitivo-Comportamental) e, em alguns casos, suporte medicamentoso.

Mais do que oferecer tratamento, é essencial reduzir o estigma em torno da saúde mental entre advogados. Reconhecer a vulnerabilidade não é fraqueza, mas sim um ato de coragem. Proteger a saúde emocional dos profissionais do direito não é apenas uma necessidade individual, mas um compromisso coletivo com a qualidade da justiça e com a dignidade da profissão.

Dr. Francis Moreira da Silveira, MD, Ph.D., é médico psiquiatra (CRM-MG 55307 | RQE 44612/63110), especialista em Psicoterapia e Psiquiatria Forense. Mestre em Neurociências e doutor em Ciências da Saúde pela UniLogos, é também International Fellow da American Psychiatric Association (APA), membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da European Psychiatric Association. Atua como Perito Médico Auxiliar da Justiça no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e mantém sua prática clínica em Governador Valadares (MG), no Instituto Dr. Francis Silveira.

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