Pesquisas nacionais e internacionais mostram que a advocacia, essencial para a justiça, está sendo exercida sob intensa pressão que ameaça a saúde mental de seus profissionais.
Por Francis Moreira da Silveira

A rotina da advocacia, marcada por prazos apertados, conflitos constantes e cobrança por resultados, produz um efeito devastador na vida de muitos profissionais. Um estudo da OAB-SP (2022) apontou que mais de 70% dos advogados no Brasil sofrem com sintomas de ansiedade e estresse diretamente relacionados ao trabalho. No cenário mundial, a International Bar Association (2021) revelou que 41% dos operadores do direito já enfrentaram problemas emocionais graves e que quase um terço deles pensou em abandonar a carreira. Esses números deixam claro: o exercício da advocacia, embora essencial para a sociedade, vem sendo feito às custas da saúde mental de quem a pratica.
A Síndrome de Burnout e sua classificação
A Síndrome de Burnout (CID-11, QD85) é um dos quadros mais prevalentes no meio jurídico. Classificada pela Organização Mundial da Saúde como um fenômeno ocupacional e uma doença relacionada ao trabalho, caracteriza-se por:
- exaustão emocional e física persistente;
- distanciamento mental do trabalho (cinismo, negatividade, despersonalização);
- redução da eficácia profissional.
Essa diferenciação é importante, pois o burnout não é um transtorno mental isolado, mas um estado diretamente associado às condições laborais.
No Brasil, a CID-11 ainda não está em vigor. Embora adotada globalmente em 2022, sua implementação nacional foi adiada para 1º de janeiro de 2027, segundo o cronograma oficial do Ministério da Saúde. Isso significa que, atualmente, o burnout continua sendo codificado segundo a CID-10, sem o reconhecimento formal como doença ocupacional.
Fatores de risco na advocacia
Na advocacia, o burnout costuma ser potencializado por fatores como:
- jornadas extensas;
- pressão por resultados;
- prazos exíguos;
- contato diário com conflitos intensos;
- insegurança financeira.
Além disso, a cultura de desempenho máximo, em que muitos advogados sentem-se compelidos a estar disponíveis em tempo integral, favorece sintomas de esgotamento, perda de identidade profissional e até manifestações dissociativas (despersonalização e desrealização).
Quando não identificados precocemente, esses sinais podem evoluir para quadros de depressão, ansiedade generalizada, transtornos do sono e uso abusivo de substâncias, comprometendo a vida pessoal e a carreira.
Caminhos para o enfrentamento
O enfrentamento desse problema demanda intervenções em múltiplos níveis:
Institucionais:
- políticas de bem-estar em escritórios e órgãos jurídicos;
- incentivo a pausas regulares;
- campanhas de psicoeducação;
- acesso a serviços psicológicos e psiquiátricos;
- programas de prevenção organizacional (ex.: campanhas da OAB).
Individuais:
- atividade física;
- sono adequado;
- espiritualidade;
- práticas de mindfulness;
- fortalecimento de redes sociais de apoio.
Tratamento e mudança cultural
Quando o adoecimento já está instalado, o tratamento deve seguir protocolos baseados em evidências, incluindo psicoterapia estruturada (como a Terapia Cognitivo-Comportamental) e, em alguns casos, suporte medicamentoso.
Mais do que oferecer tratamento, é essencial reduzir o estigma em torno da saúde mental entre advogados. Reconhecer a vulnerabilidade não é fraqueza, mas sim um ato de coragem. Proteger a saúde emocional dos profissionais do direito não é apenas uma necessidade individual, mas um compromisso coletivo com a qualidade da justiça e com a dignidade da profissão.
Dr. Francis Moreira da Silveira, MD, Ph.D., é médico psiquiatra (CRM-MG 55307 | RQE 44612/63110), especialista em Psicoterapia e Psiquiatria Forense. Mestre em Neurociências e doutor em Ciências da Saúde pela UniLogos, é também International Fellow da American Psychiatric Association (APA), membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da European Psychiatric Association. Atua como Perito Médico Auxiliar da Justiça no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e mantém sua prática clínica em Governador Valadares (MG), no Instituto Dr. Francis Silveira.