Uma consumidora, identificada nas redes sociais apenas como Kiki (@spacekiikis), diz que teve sua conta na Amazon suspensa permanentemente um mês depois de ter comprado livros com valores que totalizaram R$ 5 mil. Ela relata que recebeu os itens como doação da empresa, pois conseguiu fazer os pedidos acumulando cupons de desconto, durante um suposto bug do marketplace. O registro, publicado na última sexta-feira (20/6), já acumula 9 milhões de visualizações no X.
Ela, que produz conteúdo há quatro anos no TikTok (@spacekiki), conta que soube da existência dos cupons por meio de publicações em outros perfis nas redes sociais. Com 186 mil seguidores, Kiki costuma compartilhar vídeos sobre mangás e livros de arte.
“Seguia muitas páginas de oferta de livro e, durante a madrugada, vi os posts sobre os cupons de desconto. Essas páginas tinham link de afiliadas da Amazon. Mostravam uma lista de cupons que se acumulavam, e estavam divulgando como oferta”, lembra ela, em entrevista a PEGN.
Na época, no começo de 2022, ela pagou cerca de R$ 50 e obteve os produtos. Depois teve a conta suspensa. Ela conta que não deixou de ser cliente da empresa e criou uma nova conta, usando outro e-mail no cadastro.
Kiki conta que resolveu falar sobre o assunto nas redes sociais só agora, pois fez uma nova tentativa de reverter a suspensão da conta devido à perda do acesso ao seu Kindle – leitor de livros digitais desenvolvido pela Amazon.
“Conseguia usar o Kindle normalmente nos últimos anos, mas ele parou de funcionar na última semana. Entrei em contato para tentar resolver, e eles falaram que eu precisava ter o acesso da conta que estava logada. Tentei reaver, mas recebi o e-mail de que a decisão era irrevogável”, diz.
A mensagem da empresa, que ela compartilhou em um print no post, diz: “Agradecemos por você ter entrado em contato conosco. Entendemos que esse processo pode ser frustrante e agradecemos a sua cooperação. Depois de uma análise cuidadosa, lamentamos informar que não foi possível verificar os detalhes da conta. Como resultado, precisamos manter nossa decisão original, e sua conta da Amazon.com.br permanecerá suspensa.”
A companhia ainda aponta que a decisão é irrevogável e afirma que não poderá responder a outros e-mail sobre o assunto. Procurada por PEGN, a Amazon Brasil informou apenas que “entrou em contato diretamente com a consumidora e a informou sobre a conclusão do caso”. A PEGN, a cliente confirmou que recebeu apenas o e-mail que viralizou.
A companhia não respondeu os questionamentos da reportagem acerca da política adotada em casos de pedidos realizados durante possíveis falhas no sistema e nem quais critérios para a suspensão das contas na plataforma.
No site, a única seção que trata da recuperação de contas após suspensão aborda problemas de segurança, a exemplo da observação de atividade de pagamento incomum. “Quando notamos uma atividade de pagamento incomum em sua conta, sua conta fica temporariamente suspensa. Fazemos isso como uma ação de segurança, para que possamos analisar a situação com você.”
Com a suspensão, o acesso a todos os serviços da Amazon também será bloqueado, incluindo serviços como Amazon Prime, Amazon Music e Kindle, além de dispositivos como Alexa e Ring.
No entanto, a medida pode ser revertida nesse caso. Para isso, o cliente deve seguir as seguintes recomendações: verificar o e-mail ou mensagem de texto sobre a suspensão, fazer login na conta, preencher um formulário e incluir os anexos necessários.
“A maneira mais rápida de desbloquear sua conta é enviar você mesmo os detalhes solicitados por meio de nosso site seguro. Nossa equipe de atendimento ao cliente poderá orientar você nesse processo, mas solicitará que você siga as mesmas instruções.”
Diante da repercussão do post, ela gravou um vídeo mostrando todos os itens recebidos no pedido. É possível ver mais de 20 volumes.
Nos comentários, alguns usuários ficaram surpresos com a situação. Outros criticaram a postura da jovem ao se beneficiar de uma suposta falha no sistema da empresa. “Se a exploração do bug for utilizada para obter vantagem indevida, como dinheiro ou informações, pode ser considerada fraude eletrônica”, disparou uma pessoa.
Em resposta, ela reforça que só colocou os cupons no momento da compra. “Sempre gastei horrores com eles e o que fiz nessa época foi botar cupons na hora de comprar. Engraçado é tomar as dores por uma empresa desse tamanho”, rebateu.
O que diz a lei: a conta do consumidor pode ser suspensa pela empresa?
Não se sabe se a suspensão da conta tem relação com as compras da consumidora durante o bug. Contudo, em caso de suspensão ou limitação de acesso por algum motivo, a empresa deve informar a decisão de forma prévia e clara. Inclusive, a medida é comum quando acontece algum tipo de transação suspeita para garantir segurança até a normalização: o cliente tem sua conta invadida ou meios de pagamento clonados.
Segundo o professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) Gustavo Kloh, que também é membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/RJ, a empresa é obrigada a enviar a notificação sobre o assunto em algum canal de comunicação, a exemplo do e-mail.
Quanto à motivação da empresa, Giordano Malucelli, advogado do GMP| G&C Advogados Associados, destaca que a prática não pode acontecer de “forma arbitrária ou punitiva”, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“O CDC protege o consumidor contra práticas unilaterais e abusivas. A suspensão de acesso à conta, sem prévia notificação, viola o direito à informação adequada e pode configurar prática abusiva”, pontua.
Já em relação às compras feitas durante um bug, Kloh alerta que as circunstâncias devem ser analisadas com cautela. Ele alerta que alguns casos podem configurar em uma possível interpretação de “ausência de boa-fé objetiva”, considerando que o consumidor tenha aproveitado o erro no sistema para se beneficiar de alguma forma. O conceito se refere a um padrão de conduta imposto aos envolvidos em uma relação jurídica, exigindo honestidade, lealdade e cooperação. Nesse sentido, o usuário pode até ser cobrado pelo valor dos produtos posteriormente.
Caso seja alegada a ocorrência de fraude por parte do cliente, Malucelli destaca a necessidade de comprovação perante a lei. O especialista diz que o CDC “exige prova da culpa exclusiva do consumidor para afastar a responsabilidade da empresa”.
Ainda segundo ele, o uso de cupons públicos não caracteriza fraude. “Alegações infundadas, além de não eximir a empresa de sua obrigação, podem gerar dever de indenizar”, diz.