Um processo complexo e cercado de forte carga emocional foi encerrado com uma sentença de absolvição, após criteriosa análise do conjunto probatório e da sustentação técnica da defesa. O caso tramitava na 1ª Vara Criminal dos crimes contra vítimas hipervulneráveis e crimes de trânsito da Comarca de Goiânia, envolvendo a acusação contra D. de J. S., réu denunciado por suposto estupro de vulnerável. A acusação, ofertada pelo Ministério Público de Goiás, baseava-se essencialmente no depoimento da vítima, então com 10 anos de idade, e nos relatos de testemunhas que apontavam para condutas interpretadas como atos libidinosos.
A condução da defesa foi exercida pela advogada Sheila Chagas Rufino Moura, que estruturou uma argumentação pautada na inconsistência das provas apresentadas pela acusação, na ausência de elementos objetivos que caracterizassem intenção libidinosa por parte do réu, e na aplicação firme dos princípios constitucionais do processo penal. A tese central defendida por S.C.R.M. foi a de que não havia prova suficiente para embasar uma condenação, conforme previsto no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Durante as audiências, a estratégia da defesa foi clara: demonstrar que o conjunto probatório não sustentava, com a certeza necessária, a narrativa acusatória. O depoimento da própria vítima, embora inicialmente impactante, revelou uma série de inconsistências e incertezas que fragilizaram a acusação. Dentre os pontos destacados, a própria criança admitiu que “não entendeu direito” a suposta pergunta feita pelo réu, além de não conseguir afirmar se os toques ocorreram com conotação sexual.

Outro ponto decisivo abordado por S.C.R.M. foi o uso da faca no episódio, que a acusação tentou vincular a uma tentativa de intimidação. A defesa, no entanto, conseguiu demonstrar que o réu somente a utilizou para se proteger de uma agressão física perpetrada pelo padrasto da vítima, como confirmado pelos próprios policiais militares que atenderam a ocorrência.
Além disso, testemunhas arroladas pela defesa corroboraram a boa reputação e o comportamento respeitoso do acusado ao longo dos anos. Algumas delas, inclusive, relataram possíveis conflitos familiares anteriores que poderiam ter influenciado a acusação, abrindo margem para a possibilidade de memórias implantadas ou distorcidas, considerando especialmente a idade da vítima e o contexto de animosidade entre o padrasto da menina e o réu.
A sentença assinada pelo juiz MARLON RODRIGO ALBERTO DOS SANTOS reconheceu expressamente a inexistência de prova suficiente para condenação, destacando a presença de dúvidas relevantes sobre a intenção do réu nos episódios narrados. O magistrado enfatizou que, em casos de tamanha gravidade, é imprescindível que a acusação demonstre de forma clara e irrefutável o dolo específico exigido para o crime de estupro de vulnerável, o que não ocorreu neste processo.
Com a sentença absolutória, o juiz também revogou a prisão preventiva do réu e determinou sua imediata soltura. O resultado do julgamento reforça a importância da atuação técnica e estratégica da defesa criminal e coloca em evidência a capacidade da advogada S.C.R.M. de conduzir casos delicados com precisão jurídica e firmeza argumentativa.
Princípios constitucionais e o peso da dúvida: o que o caso ensina sobre o “in dubio pro reo”
O recente julgamento que culminou na absolvição de D. de J. S., acusado de estupro de vulnerável, serve como um exemplo claro da importância do princípio do in dubio pro reo no sistema penal brasileiro. Trata-se de uma regra fundamental do Estado Democrático de Direito: na ausência de provas cabais, deve-se decidir em favor do réu.
Na prática, isso significa que o Judiciário não pode julgar considerando apenas a gravidade da acusação ou a comoção social que determinados crimes provocam. Mesmo em casos de suposto abuso contra crianças, a condenação exige mais do que desconfiança: exige prova robusta, coerente e livre de dúvidas razoáveis. No caso em questão, a dúvida surgiu tanto do relato da vítima quanto da dinâmica dos depoimentos das testemunhas de acusação.
O juiz que proferiu a sentença foi enfático ao reconhecer que os elementos constantes nos autos não permitiam afirmar, com segurança, que houve dolo libidinoso por parte do réu. A vítima, apesar de aparentemente segura em alguns momentos, demonstrou incertezas e alterações de narrativa que enfraqueceram a acusação. Em um ponto-chave, por exemplo, admitiu não entender exatamente o que havia sido dito pelo tio, mas que “na cabeça dela, era aquilo”. Esse tipo de declaração não é suficiente para sustentar um pedido de prisão.
Além disso, o caso revisitou um tema ainda pouco discutido fora dos círculos jurídicos: as falsas memórias. Estudos indicam que, especialmente em crianças, memórias podem ser moldadas ou distorcidas por sugestões externas, muitas vezes sem intenção consciente. A jurisprudência já reconhece esse risco, reforçando a necessidade de cautela na valoração do depoimento infantil.
A atuação da defesa, ao trazer esse debate à tona com base doutrinária e jurisprudencial, foi decisiva. Mais do que simplesmente negar os fatos, a advogada mostrou, com consistência técnica, que as dúvidas não eram pontuais ou de menor importância, mas estruturais: afetavam diretamente a possibilidade de condenação.
O caso também aponta para a relevância de uma defesa criminal qualificada. Em tempos de julgamento midiático e pressão social, o profissional do direito precisa ser, mais do que nunca, guardião das garantias individuais. A atuação técnica e estratégica de Sheila Chagas Rufino Moura reforça essa visão: a de que o advogado não está ali para “livrar culpados”, mas para assegurar que ninguém seja punido injustamente.
A absolvição de D. de J. S. não apaga a dor que uma acusação dessa natureza causa a todos os envolvidos — especialmente a criança. Mas lembra que, no processo penal, a busca não é por vingança, e sim por justiça, mesmo que isso signifique reconhecer que não se pode provar a culpa de alguém. Nesse ponto, o princípio do in dubio pro reo não é uma cláusula legal: é um pilar civilizatório.
Processo: 5680617-51.2025.8.09.0051