Por Gabriel Lopes
Desde sua criação em 1999, o Processo de Bolonha tem sido frequentemente citado como um marco de unificação do ensino superior europeu. No entanto, esse tratado, que visa criar o Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES), não é tão homogêneo ou universal como muitos supõem. Na prática, sua adoção é voluntária, e a implementação varia muito entre países e instituições.
Leigos, muitas vezes com formação precária e desconhecimento do funcionamento da Educação Superior, aventuram-se a julgar Instituições de Ensino Superior sem considerar aspectos essenciais. Esquecem que a autonomia universitária é uma questão global e que cada instituição possui sua própria identidade acadêmica e administrativa. Por isso, é importante contextualizar temas como o Tratado de Bolonha, lembrando que a educação não se dá por uma “receita de bolo”. Cultura, regionalidade, missão, visão e valores formam a base estrutural de cada instituição, determinando suas escolhas pedagógicas, organizacionais e estratégicas, tornando cada experiência educacional única e adequada ao seu contexto.
O Tratado de Bolonha: nem tão universal quanto se pensa
Desde sua criação em 1999, o Processo de Bolonha tem sido frequentemente citado como um marco de unificação do ensino superior europeu. No entanto, esse tratado, que visa criar o Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES), não é tão homogêneo ou universal como muitos supõem. Na prática, sua adoção é voluntária, e a implementação varia muito entre países e instituições.
A adesão é voluntária, não obrigatória
Ao contrário do que muitos acreditam, o Tratado de Bolonha não é um instrumento legal vinculante. Segundo a União Europeia, os compromissos firmados no processo não criam obrigações jurídicas obrigatórias para os países: os compromissos de Bolonha não são legalmente vinculantes e cada Estado participante é totalmente responsável por seu sistema educacional. Em 16/11/2023 a Comissão Europeia (EC) recebeu o questionamento de Nº E-003397/23, em resposta o Sr. Várhelyi da EC, afirmou:
“O Tratado de Bolonha é um processo intergovernamental voluntário, implementado em 49 Estados, que define o Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES).”
Pesquisadores já apontavam esse caráter voluntário há anos, isso ficou muito claro. Um estudo publicado no PMC destaca que o Processo de Bolonha “não constitui um tratado internacional obrigatório, não existem incentivos formais para punir ou forçar a implementação plena por parte dos países.”
A implementação é desigual entre os signatários
Embora mais de 40 países façam parte do Processo de Bolonha, a implementação das reformas varia bastante:
- Um relatório de implementação do Bologna de 2015 mostra que nem todos os países adotaram plenamente mecanismos básicos como o sistema de créditos ECTS ou os quadros nacionais de qualificação (NQFs).
- Mesmo países com longa participação no processo enfrentam dificuldades. Há nações onde os programas de primeiro ciclo (graduação) ultrapassam quatro anos, ou cursos que ainda existem fora da estrutura de Bolonha.
- Um relatório recente indica que muitos países ainda não adotaram reconhecimento automático total de diplomas, um dos pilares da mobilidade acadêmica. Segundo a análise, apenas uma minoria dos países do EEES conta com reconhecimento automático por todos os membros.
Países e situações com implementação parcial ou resistências
Exemplo da Bielorrússia
Apesar de estar formalmente no Processo de Bolonha, a Bielorrússia enfrenta críticas: o sistema de créditos ECTS “não opera plenamente” no país, segundo estudantes que relatam que a equivalência com o sistema europeu é “uma imitação pálida”.
Rússia e saída parcial
A Rússia, que havia adotado parte das reformas (como o sistema de grau de “especialist” de 5–6 anos junto com o modelo bacharel + mestrado), enfrentou uma reversão: autoridades declararam que o país será excluído do Processo de Bolonha.
Isso evidencia que, embora tenha participado, a adesão não garantia uma implementação plena ou permanente do modelo bolonhês.
Nem todas as ferramentas de Bolonha são universalmente usadas
Além das diferenças nos ciclos de graduação, outros componentes do processo são aplicados de forma desigual:
- O Diploma Supplement (um documento pensado para facilitar o reconhecimento de diplomas entre países) não é emitido automaticamente em todos os países.
- A garantia de qualidade, também prevista no processo, é implementada por agências nacionais, o que dificulta comparações exatas entre sistemas.
Universidades tradicionais e adaptações flexíveis
Embora muitas vezes se diga que “todas as universidades europeias seguem Bolonha”, uma análise mais aprofundada mostra exceções e adaptações:
- França, por exemplo, implementou o modelo de três ciclos (Licence, Master, Doctorat), mas algumas universidades mantêm uma autonomia significativa para estruturar cursos à sua maneira.
- Em certos cursos regulamentados, como medicina, farmácia, arquitetura, ainda existem programas integrados (um ciclo só) em diversos países, o que significa que nem sempre há uma separação clara entre bacharelado e mestrado nos moldes mais “estritos” de Bolonha.
Exemplos da não adesão do Tratado de Bolonha
Universidade de Paris (Sorbonne Université) – França
A França tem um sistema de ensino superior bastante tradicional e foi um dos países que implementaram o Processo de Bolonha de forma mais “modificada”. Algumas universidades francesas, como a Sorbonne, oferecem cursos e diplomas que podem não estar totalmente alinhados ao sistema de créditos (ECTS) ou outras características do modelo de Bolonha.
Mesmo assim, a França segue a Convenção de Bolonha, mas de forma adaptada.
Université Pierre et Marie Curie (UPMC) – França
Assim como a Sorbonne, UPMC segue um modelo de ensino mais tradicional e pode adotar algumas exceções ou variações no currículo, embora participe do Processo de Bolonha. Não existe um alinhamento completo.
Université Grenoble Alpes – França
Esta universidade tem adaptado suas práticas ao Processo de Bolonha, mas algumas características podem ser diferenciadas, dependendo dos cursos.
Universidade de Oxford e Universidade de Cambridge (Reino Unido, embora o Reino Unido tenha saído da UE, vale mencionar que aderiram parcialmente ao Processo de Bolonha, mas com adaptações próprias). O que comprova que instituições de renome não aderem completamente ao referido tratado.
École Polytechnique mantém o “Diplôme” e o programa ingénieur com particularidades; o diploma é associado a níveis de master, mas a instituição tem regime próprio.
A França fez a reforma LMD para se alinhar ao Bologna, mas as grandes écoles conservaram estrutura própria e rituais académicos; a equivalência existe, mas a forma institucional é distinta, o que comprova que a adesão ao tratado de bolonha é voluntário e que em muitos casos a referida adesão pode equalizar o sistema de entrega de programas na EU, mas pode se distanciar consideravelmente da América do Sul, Norte e Asia.
O mito da uniformidade
A reportagem deixa claro que o Processo de Bolonha não deve ser tratado como sinônimo de uniformidade absoluta. Ele representa um esforço de coordenação e compatibilidade, mas:
- Não impõe obrigações legais, sendo uma iniciativa intergovernamental voluntária.
- A implementação varia amplamente, com países que aderem formalmente, mas enfrentam dificuldades práticas para aplicar todos os seus componentes.
- Algumas universidades mantêm práticas tradicionais ou adaptadas, mesmo dentro do EEES.
Portanto, afirmar que “todas as universidades europeias funcionam sob o mesmo sistema de Bolonha” seria uma simplificação excessiva, um argumento de incautos. A adesão ao tratado é apenas o primeiro passo, a real transformação depende da vontade política, dos recursos e das especificidades nacionais de cada sistema de ensino superior.
Embora o Processo de Bolonha seja amplamente reconhecido na União Europeia, sua adesão não é universal nem obrigatória para as instituições de ensino, já que se trata de um acordo intergovernamental voluntário. Cada Estado participante escolheu aderir ao processo para reformar seu próprio sistema de ensino superior, mas não há imposição legal direta sobre as universidades individuais para seguirem cada detalhe do modelo Bologna.
Assim, uma universidade na UE, se estiver em um país signatário, pode manter diplomas, ciclos ou regimes acadêmicos próprios (como cursos integrados, diplomas profissionais ou estrutura institucional específica), desde que esses arranjos sejam compatíveis com as políticas nacionais, ou negociem mecanismos de reconhecimento equivalentes dentro do Espaço Europeu de Ensino Superior (EHEA).
- Gabriel César Dias Lopes
Pesquisador e Ph.D em Educação pela European International University (França), com diploma Revalidado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Direito e Especialista em Direito Educacional. Fundador, Presidente e Reitor advitam da Logos University International. Primeiro brasileiro homenageado pela Casa Legislativa do Estado do Texas pela sua honra e distinção na área da Educação. Inspetor de QA pela IEAC (UK), autor do Livro: “Conformidade e Excelência: Garantia da Qualidade no Ensino Superior”, Editora Arcádia. Membro e Delegado para o Rio de Janeiro da Academia de Letras e Artes da Guiné-Bissau.