setembro 6, 2025

Omissão Administrativa e Garantias Constitucionais em Portugal

Por:  Dr. Jhonata Jankowitsch Amorim

O Estado que se assume como democrático e de Direito, a omissão da Administração Pública não pode ser vista como um simples atraso ou falha operacional. É, em muitos casos, uma forma silenciosa e perigosa de violar os direitos fundamentais dos cidadãos. A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 2.º, afirma de forma clara que o Estado se encontra vinculado à realização efetiva dos direitos, liberdades e garantias. Esta não é uma promessa vaga, é uma obrigação concreta.

A realidade mostra, contudo, que muitos cidadãos esperam durante meses, e até anos por uma decisão administrativa que deveria ter sido tomada em prazo razoável. Famílias que aguardam o reagrupamento, trabalhadores que esperam regularização, estudantes que necessitam de validação de documentos. O tempo passa, os projetos de vida ficam suspensos e o Estado permanece em silêncio.

A omissão administrativa

A omissão administrativa, nessas situações, representa mais do que uma falha procedimental. Ela fere diretamente os princípios da boa administração, da proteção da confiança legítima e da legalidade. O artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece o dever de decidir – um dever claro, objetivo e inadiável. E quando esse dever é ignorado, o cidadão não está desprotegido. O artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos permite que se recorra ao tribunal para que o Estado seja compelido a cumprir o que já devia ter feito.

Como bem observa a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “a inércia administrativa não pode ter como consequência o colapso de uma trajetória pessoal e profissional plenamente inserida no ordenamento legal português, sobretudo quando esta omissão compromete direitos sociais fundamentais” (Acórdão do STA n.º 206/22, de 10/11/2022).

O dever de decidir

O dever de decidir não é apenas legal é constitucional. O artigo 22.º da Constituição consagra que o Estado e as entidades públicas são civilmente responsáveis, solidariamente com os seus agentes, por ações ou omissões que resultem em prejuízo ou na violação de direitos fundamentais. Quando o Estado se cala, deve responder.

Canotilho e Vital Moreira, na sua anotação à Constituição, são claros: os direitos, liberdades e garantias “têm aplicação direta e prevalência normativa sobre normas infraconstitucionais que obstem ou dificultem seu exercício efetivo” (2007). Isto significa que qualquer norma ou conduta administrativa que impeça o exercício desses direitos é, desde logo, inválida. E aqui, a omissão ganha um peso que não pode ser ignorado.

Jorge Miranda reforça essa ideia ao afirmar que “a proteção jurisdicional de direitos fundamentais perante omissões administrativas é uma exigência do Estado de Direito democrático” e que a Administração “tem o dever jurídico e moral de decidir tempestivamente, sob pena de se converter em fator de negação de direitos” (2021).

O silêncio do Estado não pode prevalecer

Num país que se quer justo e democrático, o silêncio do Estado não pode prevalecer. O cidadão tem direito à palavra, mas também à escuta. E essa escuta exige resposta. Quando esta não vem, é a própria legitimidade do poder público que se fragiliza.

A utilização dos instrumentos legais disponíveis – como a intimação judicial da Administração deve ser encorajada, não como um ato de litígio, mas como um exercício legítimo de cidadania ativa. Porque um Estado que não responde, não protege. E um Estado que não protege, viola o seu próprio fundamento constitucional.

Cabe à sociedade, à academia, à advocacia e aos tribunais afirmar que a omissão administrativa não é apenas um problema de gestão. É uma questão de justiça. E a justiça, numa democracia, não pode esperar.

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