Você já sentiu que precisa “deixar uma parte de si na porta” ao entrar no escritório? Que existe um “eu profissional” que opera com estoicismo e eficiência, enquanto seu “eu real” — com seus valores, paixões e emoções — fica guardado, como se fosse inadequado para o ambiente corporativo? Essa é uma experiência comum, mas que, paradoxalmente, está minando o bem-estar e a produtividade de muitos.
Por gerações, a cultura organizacional, muitas vezes ecoando os resquícios da Revolução Industrial, incutiu a ideia de que o colaborador ideal deveria funcionar como uma máquina. Máquinas não se sentem ignoradas, não reclamam de prazos apertados e, certamente, não se esgotam emocionalmente. A lógica perversa era que um “bom” trabalhador também deveria ser assim: desprovido de “fragilidades” humanas.
A inegável verdade, porém, é que pessoas não são máquinas. Ignorar essa realidade e exigir que ajam como meras engrenagens é uma receita garantida para o desastre. Suas manifestações são claras: um desengajamento profundo, onde a paixão e a criatividade são suplantadas pela rotina mecânica; altas taxas de rotatividade, com talentos valiosos buscando ambientes que os acolham e valorizem por completo; uma drástica queda no bem-estar e na saúde mental, onde a repressão emocional cobra um custo pessoal e profissional elevadíssimo; e, por fim, o temido estresse crônico e o burnout, um esgotamento que consome corpo e mente.
Nós, seres humanos, somos impulsionados por nossos valores e por um senso de propósito. Quando as tarefas diárias são desconectadas dessa essência, a alma da pessoa e a qualidade do trabalho sofrem. Fingir sentir o que não se sente, a chamada “atuação superficial”, é exaustivo e insustentável a longo prazo, comprometendo seriamente o bem-estar e a eficácia profissional.
Como bem observou o ensaísta e filósofo Ralph Waldo Emerson: “Ser você mesmo em um mundo que está constantemente tentando te fazer algo diferente é a maior realização.” E essa realização se traduz em inúmeros benefícios quando levada ao ambiente de trabalho.
Imagine um local onde a autenticidade é incentivada. Onde os indivíduos se sentem seguros para expressar suas verdades emocionais, sem a necessidade de mascará-las ou “consertá-las”. Esse não é um convite ao caos, mas sim à integridade. Quando não se precisa deixar partes importantes de si na porta, cria-se um ecossistema mais saudável para todos.
Pessoas que se dedicam integralmente ao trabalho não são apenas mais felizes; elas são intrinsecamente mais engajadas, profundamente mais comprometidas e significativamente menos propensas a sentir alienação ou esgotamento. O clima organizacional floresce, o que impacta diretamente na retenção de talentos e na atração dos melhores. Clientes e consumidores percebem o cuidado e a genuinidade dos funcionários, o que fomenta uma lealdade inestimável à marca. É, em suma, uma situação onde todos ganham.
Importante ressaltar: autenticidade não é sinônimo de falta de profissionalismo. Expressar seu “eu real” não lhe dá carta branca para destratar um colega ou rejeitar ideias com sarcasmo. Significa reconhecer que nossas emoções são dados valiosos que carregam mensagens importantes – não impulsos cegos para a ação. Elas são parte inseparável de quem somos, e criar um espaço responsável para elas no trabalho não é antiprofissional; é indispensável para a sustentabilidade, a inovação e o sucesso duradouro.
Rafaela Veronezi – Neurocientista, doutora pela UNICAMP/SP. Palestrante e pesquisadora na área de Comportamento e Desenvolvimento Humano. Mentora em Autoliderança Estratégica.