Por Dr. Jhonata Jankowitsch
Portugal, terra de poetas, marinheiros e emigrantes, parece caminhar agora por trilhos sombrios que muitos julgavam ultrapassados. Esta semana, o Governo português aprovou a criação de uma nova força policial dedicada à fiscalização de imigrantes, uma decisão que na prática, reacende o modelo de controlo associado ao antigo e polémico SEF.
A proposta, que prevê a possibilidade de abordagens a cidadãos estrangeiros nas ruas, nos locais de trabalho e em espaços públicos, levanta profundas preocupações éticas, legais e humanitárias. Não estamos a falar apenas de combater a imigração irregular – algo que, em qualquer Estado de Direito, deve ser feito com respeito pela legalidade. Estamos a falar da instalação de um clima de medo, de suspeição permanente, onde qualquer pessoa com sotaque, cor de pele diferente ou nome estrangeiro poderá ser parada e interrogada.
É impossível não recordar que Portugal é hoje um país de contrastes. Vive-se uma crise habitacional, uma pressão intensa sobre os serviços públicos, e uma crescente insatisfação social. Contudo, culpar o imigrante por estes problemas é não apenas injusto – é profundamente perigoso.
Os imigrantes não são um problema: são parte da solução. São eles que, muitas vezes, ocupam as funções que ninguém quer, da restauração à construção civil, da agricultura aos cuidados domiciliários. São eles que pagam impostos, arrendam casas, consomem no comércio local e contribuem para o rejuvenescimento da nossa sociedade.
Ao longo dos últimos anos, Portugal construiu, com muito esforço, uma imagem de país acolhedor, aberto à diversidade e respeitador dos direitos humanos. Essa imagem foi essencial para atrair talento, investimento e confiança internacional. Desfazer esse legado em nome de políticas de controlo ostensivo e de uma retórica populista é, simplesmente, um erro histórico.
É fundamental que as instituições democráticas – da Assembleia da República ao Tribunal Constitucional se posicionem com firmeza. O combate à imigração ilegal não pode, jamais, justificar a erosão de direitos fundamentais, como a presunção de inocência, a liberdade de circulação e a proteção contra discriminação.
Portugal não pode esquecer que também já foi emigrante. Em cada aldeia, há histórias de filhos que partiram para o Brasil, França, Luxemburgo ou Suíça em busca de uma vida melhor. Esses mesmos portugueses foram, muitas vezes, alvo de preconceito, de perseguição e de olhares desconfiados. Não podemos repetir, agora como anfitriões, os erros que nos magoaram enquanto forasteiros.
Como especialista em imigração, mas também como cidadão e ser humano, deixo este apelo: que Portugal não perca a sua alma. Que não troquemos o acolhimento pela hostilidade, nem a inclusão pelo medo. A história será sempre a nossa juíza mais implacável.
