Por Dr. Jhonata Jankowitsch
O Parlamento português prepara-se para votar, pela última vez, um pacote legislativo que promete alterar radicalmente a política migratória do país. A votação final está marcada para a próxima quarta-feira, 16 de julho, às 11h, e tudo indica que a proposta será aprovada com os votos do partido do Governo (PSD), com o apoio do Chega e da Iniciativa Liberal (IL). Depois disso, caberá ao Presidente da República decidir se sanciona ou veta a nova legislação, num prazo de até 20 dias.
O projeto de lei contém alterações profundas no regime jurídico de entrada, permanência e reagrupamento familiar de imigrantes. As propostas, muitas delas originárias do partido Chega, foram acolhidas integralmente pelo Governo e têm causado grande inquietação entre juristas, defensores dos direitos humanos e a própria comunidade migrante.
Visto de procura de trabalho com novo foco
Uma das alterações mais simbólicas é a mudança no visto de “procura de trabalho”, que passará a chamar-se “Visto para procura de trabalho qualificado”. A medida visa restringir o acesso apenas a determinadas profissões – cuja lista ainda não foi divulgada –, deixando de fora grande parte dos imigrantes que atuam em setores como limpeza, construção civil ou restauração.
A incerteza em torno da definição de “profissões qualificadas” preocupa especialmente os brasileiros, principais requerentes desse tipo de visto atualmente. Apesar disso, o texto da lei não menciona qualquer alteração retroativa para pedidos já em tramitação.
Entrada ilegal impedirá solicitação de visto
Por proposta do Chega, agora incorporada ao texto final, qualquer pessoa que tenha entrado ou permanecido de forma ilegal em Portugal será automaticamente impedida de solicitar visto de residência. A restrição vale inclusive para o novo visto de trabalho qualificado, o que na prática significa um endurecimento sem precedentes contra a imigração irregular.
Fim da “porta CPLP” para regularização
Outro ponto crítico do pacote legislativo é o encerramento definitivo da possibilidade de solicitar o título de residência CPLP sem um visto prévio. A medida representa o fim da esperança de regularização para milhares de cidadãos oriundos dos países lusófonos que entraram em Portugal com isenção de visto, mas sem perspectiva legal de permanência.
Reagrupamento familiar sob ataque
É no direito ao reagrupamento familiar que surgem as medidas mais duras e controversas. A nova regra exigirá prova de que o casal já residia junto fora de Portugal, inviabilizando o reagrupamento de casais que iniciaram seus relacionamentos a distância ou que se reuniram apenas em território português.
Adicionalmente, o prazo para análise dos pedidos de reagrupamento será triplicado: de 90 dias para até 9 meses, prorrogáveis em casos considerados complexos. Isso significa que muitas famílias poderão ficar separadas por anos, a não ser que estejam abrangidas por exceções (como no caso de detentores do visto gold ou trabalhadores altamente qualificados).
Filhos menores, por sua vez, só poderão ser reagrupados se tiverem entrado legalmente, estiverem no país e coabitarem com o requerente — o que também restringe situações em que crianças chegam posteriormente.
Ações judiciais perdem urgência
O novo texto também retira a natureza urgente das ações judiciais contra omissões ou negativas da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). A partir da promulgação da lei, essas ações passarão a tramitar sob o processo comum nos tribunais administrativos, o que poderá atrasar significativamente decisões essenciais para a vida de imigrantes em situação de vulnerabilidade.
AIMA continuará a alegar “capacidade administrativa”
Em resposta às críticas sobre lentidão no atendimento, o Governo apenas reforça que os agendamentos da AIMA continuarão a depender da sua “capacidade administrativa”. Ou seja, não há garantia de prazos razoáveis para processos que afetam diretamente o direito à habitação, ao trabalho e à reunião familiar.
Conclusão
O novo pacote legislativo representa uma inflexão histórica na política migratória portuguesa. Disfarçada sob o argumento da “qualificação” e do “controlo administrativo”, a proposta esconde uma verdadeira barreira legal e humanitária contra a imigração, com impacto direto sobre comunidades vulneráveis e famílias inteiras.
A promessa de um Portugal inclusivo e multicultural parece dar lugar a um paradigma de exclusão, seletividade e burocratização extrema — cenário que acende alertas não apenas jurídicos, mas éticos e civilizacionais.
Dr. Jhonata Jankowitsch
Especialista em Imigração