Por Gabriel Lopes
No dia 22 de outubro de 2025, em sua sede em Paris, a UNESCO publicou a versão preliminar do Código de Boas Práticas na Oferta de Educação Transnacional (CBP-TNE), elaborada no âmbito do Comitê da Convenção de Lisboa sobre o Reconhecimento de Qualificações Relativas ao Ensino Superior na Região Europeia. Essa iniciativa marca um passo relevante para a regulamentação das ofertas de ensino superior que cruzam fronteiras nacionais. Segundo o próprio documento, o código visa “promover boas práticas na área da educação transnacional, com particular referência à qualidade da provisão de programas de estudo e aos padrões das qualificações emitidas por arranjos transnacionais”.
Uma das vertentes centrais debatidas neste código é o que se denomina “acordo de colaboração” entre instituições de ensino — forma de parceria em que uma instituição estrangeira e uma local compartilham responsabilidades acadêmicas, curriculares, de ensino, de concessão de diplomas e de garantia de qualidade. A seguir, abordamos os principais pontos desse mecanismo, seu significado para os sistemas de ensino e as implicações para o Brasil e além-fronteiras.
O que é o acordo de colaboração
No contexto do novo código preliminar, um acordo de colaboração é definido como um pacto formalizado entre uma instituição estrangeira (a concedente do diploma) e uma instituição local (que oferece ou co-oferece o curso) para estabelecer claramente as responsabilidades de cada parte. Conforme o documento da UNESCO, “em caso de arranjos colaborativos, deverá haver acordos escritos e juridicamente vinculativos que definam os direitos e obrigações de todos os parceiros”.
Essas responsabilidades podem incluir, entre outras:
- desenvolvimento curricular conjunto ou dividido;
- organização e oferta do ensino, presencial ou a distância;
- concessão do diploma final pela instituição estrangeira ou local conforme o acordo;
- garantia da qualidade, monitoramento, avaliação e reconhecimento das qualificações.
Além disso, o grau de colaboração define se as funções da instituição concedente e da instituição oferecendo o curso são “compartilhadas ou distintas”, bem como como se distribui a responsabilidade externa pela garantia de qualidade, “em conformidade com os requisitos legais dos sistemas educacionais competentes”.
O documento ainda cita exemplos de tais arranjos colaborativos: universidades conjuntas (também chamadas “joint international venture universities”), universidades sob marca de país, alianças de universidades europeias, programas conjuntos (joint programmes), programas de geminação (twinning), programas de franquia (franchising), acordos de validação (validation agreements) e, no âmbito da educação a distância, parceiros locais acadêmicos.
Por que isso importa
A intensificação das ofertas transnacionais de ensino – ou seja, programas em que os estudantes estão em um país diferente daquele em que a instituição awarding está sediada – tem gerado desafios significativos para os sistemas de ensino, para os estudantes e para os órgãos de reconhecimento de qualificações. Os principais desafios incluem:
- falta de clareza sobre quem detém a responsabilidade pela qualidade e pelo reconhecimento das qualificações;
- diferenças regulatórias e de garantia de qualidade entre países;
- risco de “diploma-máquina” ou provisões de ensino com padrões muito inferiores aos do país de origem;
O acordo de colaboração, como regra formal dentro do novo código, busca enfrentar esses riscos ao exigir transparência, definição de responsabilidades e mecanismos de monitoramento e avaliação bem estabelecidos.
Para o Brasil — país que participa cada vez mais de parcerias internacionais em ensino superior — adotar ou alinhar-se a esse padrão pode trazer vantagens como:
- maior credibilidade e aceitabilidade das qualificações outorgadas em regimes internacionais;
- proteção do estudante brasileiro em parcerias com instituições estrangeiras;
- clareza para IES (instituições de ensino superior) brasileiras sobre suas obrigações e direitos em cooperação internacional.
O que o código preliminar exige em termos de acordos de colaboração
Alguns dos requisitos descritos no documento da UNESCO que afetam diretamente os acordos de colaboração são:
- deverão existir contratos escritos e juridicamente vinculativos entre as partes, explicitando os papéis, responsabilidades, mecanismos de monitoramento, resolução de disputas e condições de término.
- a instituição concedente deve assegurar que qualquer agente ou parceiro que atue em seu nome respeite princípios de ética, transparência e integridade.
- os programas oferecidos em modo colaborativo devem ter requisitos de admissão, carga de trabalho, avaliação e resultados de aprendizagem comparáveis aos do programa da instituição concedente no país de origem.
- as qualificações emitidas devem vir acompanhadas de documento que informe claramente o status e natureza da instituição concedente, da instituição oferecendo o curso, do local ou modo de estudo, para facilitar o reconhecimento por autoridades competentes.
- os arranjos devem respeitar a legislação nacional tanto do país de envio quanto do país de acolhimento.
Impactos e desafios para a implementação
Embora o novo código represente um avanço, há desafios práticos para que acordos de colaboração efetivamente se alinhem às exigências:
- A variação entre os sistemas de ensino, regulação e garantia de qualidade dos países participantes torna complexa a adoção uniforme.
- IES podem enfrentar custos e complexidade jurídica para elaborar contratos robustos e mecanismos de monitoramento.
- A responsabilidade pela garantia de qualidade e reconhecimento pode se tornar compartilhada — o que exige clara percepção de quem responde perante autoridades reguladoras ou perante estudantes.
A publicação da versão preliminar do Código de Boas Práticas da UNESCO sobre Educação Transnacional eleva a exigência para que as parcerias internacionais no ensino superior — em especial os acordos de colaboração — sejam estruturadas com clareza, equidade e responsabilidade. Ao definir formalmente os papéis das instituições concedentes e oferecendo, e ao exigir transparência, contratos juridicamente vinculativos e qualidade acadêmica equivalente, o documento coloca o estudante e a credibilidade acadêmica em posição de proteção.
Para países fora da Europa, como o Brasil, e para suas instituições de ensino que desenvolvem parcerias internacionais, o momento é de atenção: preparar-se para adequar contratos, processos de governança e comunicação ao padrão internacional, de modo a garantir que as qualificações emitidas sejam reconhecidas e aceitas globalmente.
A versão preliminar está agora aberta ao exame dos Estados Partes e demais interessados; o relatório final e adotado deverá apontar o caminho obrigatório ou recomendatório para que acordos de colaboração se tornem instrumentos confiáveis de internacionalização da educação superior — com ganhos reais para estudantes, instituições e sistemas nacionais.
- Gabriel César Dias Lopes
Pesquisador e Ph.D em Educação pela European International University (França), com diploma Revalidado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Direito e Especialista em Direito Educacional. Fundador, Presidente e Reitor advitam da Logos University International. Primeiro brasileiro homenageado pela Casa Legislativa do Estado do Texas pela sua honra e distinção na área da Educação. Inspetor de QA pela IEAC (UK), autor do Livro: “Conformidade e Excelência: Garantia da Qualidade no Ensino Superior”, Editora Arcádia. Membro e Delegado para o Rio de Janeiro da Academia de Letras e Artes da Guiné-Bissau.